Sem ruídos

quinta-feira, maio 05, 2005

De galopante

De galopante,
Subi três lanços de escada e cheguei ao céu
Olhei pela falésia
E fiquei cheio de medo,
Não sabia que tinha medo do escuro,
Mas saltei…
Saltei para a berma da estrada,
E as ondas do mar balançavam cada vez mais
Entrávamos na órbita de Marte
E eu pedalava cada vez mais na minha bicicleta de três rodas
Atrás de mim as crianças pediam gelados
Mas fui comprar pipocas e entrei na sala 3 do cinema
A meio do filme gritei
E o realizador também gritou “Corta!”
Os actores vieram atrás de mim
Mas fugi…
Fugi com o carro da minha namorada,
Disse-lhe que ia comprar cigarros
Claro que nunca mais me viu,
Nem a mim nem ao carro…
Na auto-estrada abandonei-o,
Pedi boleia até ao Woodstock
Mas quando cheguei já tinham actuado os Beatles
Voltei…
Voltei as costas e caminhei até ao rio mais próximo
No Sena mergulhei para me despedir do último dia de Primavera
Mas uma andorinha gigante sobrevoou em voo picado e salvou-me
Por pouco morria afogado!
Porquê é que não me tinha lembrado que não sabia nadar?
Enxuguei a roupa ao lume,
Saí à rua e apanhei o primeiro táxi
Fui até à baixa aos saldos
Comprei…
Comprei quilos de amor, litros de felicidades,
Ao chegar a casa misturei tudo e tomei a porção mágica de uma vez
Desmaiei, e quando acordei estava nas nuvens
E de galopante,
Desci as escadas até ao rés-do-chão
Tinha duas cartas no correio
Uma era do meu pai que estava na África do Sul
A outra voou sem saber de quem era
Ainda corri atrás,
Mas o senhor da lotaria disse-me que era a sorte grande
Então comprei o número 163 502 067…
No domingo fiquei a saber que me tinha enganado
Como queria ser rico e comprar muitas penas
Ia construir umas asas para voar e viajar até à China
E nos céus olhava para baixo,
Via os meus filhos a passear perdidos no recreio da escola
O carro dos bombeiros fazia soar a sirene,
Mas ao virar da esquina chocou com o carro da funerária
Ninguém ficou ferido
Continuei…
Continuei até ficar cansado e parei em cima de uma cerejeira
Já não comia cerejas há tanto tempo
E depois fiquei com sono,
Queria dormir nas não tinha a minha almofada
Desfiz as asas e adormeci,
Não sei onde estava,
Nem sei se cheguei a acordar
Não me lembro de mais nada
Mas nos meus sonhos,
Eu subia e descia umas escadas muito altas
De galopante
Três laços de cada vez, não eram dois nem quatro
Eram três de cada vez
Dava um mergulho e secava a pele ao sol
Olhava o pôr-do-sol ao som de uma sereia desencantada
Fechava os olhos e eram sempre aqueles elefantes brancos que via
Lembrei-me dos cinco dias que passei à sede no deserto
Insistia que a minha bússola marcava o Sul
E andei sempre para Oeste sem parar
Outro australiano perdido socorreu-me
E juntos fomos até ao Rio de Janeiro
Era Natal e tomámos um barco até casa
Ainda chegámos a tempo da Páscoa
Mas os coelhinhos já tinham as suas crias crescidas
Sentei-me no sofá
Abri a porta do frigorífico e bebi um refresco
Estava cheio de sede e cansado
Quis parar…
Parar de correr atrás dos sapatos castanhos que ofereci
Mas de galopante
Subi três lanços de cada vez até ao sótão
Peguei nos meus álbuns de fotografias
Recortei as notícias dos jornais e separei as vogais das consoantes
Fiz um jardim zoológico e bebi um copo de leite
Comi umas bolachas de aveia
E a minha avó cantou-me uma canção de embalar
Deixei-me ficar quedo sem respirar…

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